A vida é tecida por uma sucessão de mudanças: o fim de um relacionamento, o início de uma nova carreira, a chegada dos filhos, a perda de um lugar familiar. Diante dessas transições significativas, que abalam nossas referências e nos confrontam com o novo, a questão se impõe: como encontrar seu lugar e reinventar seus caminhos diante das mudanças da vida?
A psicanálise, desde Freud, reconhece que a trajetória do sujeito é marcada por momentos de virada, que podem reativar conflitos antigos e exigir um árduo trabalho de reposicionamento psíquico. Se Freud se dedicou a mapear as fases do desenvolvimento psicosexual na infância, suas descobertas sobre a dinâmica das identificações, a angústia diante do desconhecido e a capacidade de elaboração são fundamentais para pensarmos as transições em qualquer etapa da vida. Uma mudança significativa pode ser vivida como uma perda – perda de um papel, de uma identidade, de uma segurança – e, como tal, convocar um trabalho psíquico semelhante ao do luto (FREUD, 1917).
Jacques Lacan nos permite aprofundar a compreensão desses momentos ao pensarmos o sujeito como constituído na e pela linguagem, sempre em relação ao Outro e à ordem simbólica. Uma transição de vida implica, muitas vezes, um abalo nessa ordem, uma perda de referências significantes que antes sustentavam a posição do sujeito. Como Lacan desenvolve, por exemplo, ao longo de seu ensino sobre os tempos do Édipo ou sobre a função do Nome-do-Pai, é a inscrição em uma estrutura simbólica que oferece ao sujeito um “lugar”. Quando essa estrutura é questionada por uma mudança radical, o sujeito pode se sentir desorientado, angustiado, confrontado com o Real da existência. O Seminário, livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (1964), ao tratar dos conceitos de alienação e separação, oferece chaves para pensar como o sujeito se constitui e se desvencilha das amarras alienantes para encontrar um novo modo de ser.
Encontrar “seu lugar” em meio a uma transição não significa, portanto, buscar um encaixe perfeito em um novo script predefinido. Significa, antes, um trabalho de interrogação sobre o desejo que está em jogo nessa mudança. O que se busca? O que se deixa para trás? Que novas identificações são possíveis? Reinventar seus caminhos implica, muitas vezes, um “ato”, no sentido psicanalítico: uma decisão que produz um corte, uma ruptura com o anterior, e que inaugura uma nova possibilidade para o sujeito, uma nova forma de se narrar e de se posicionar no mundo.
A análise se oferece como um espaço privilegiado para acompanhar essas travessias. Na escuta analítica, o sujeito pode colocar em palavras as angústias, as incertezas, os lutos e as esperanças que as transições despertam. É um lugar para desfazer identificações paralisantes, para elaborar as perdas inerentes a toda mudança e para construir, a partir da singularidade do seu desejo, novas coordenadas para sua existência. Não se trata de receber conselhos sobre qual caminho seguir, mas de encontrar, na própria fala, os recursos para uma invenção singular, para uma resposta que seja verdadeiramente sua diante do novo que se apresenta.
Referências
- FREUD, Sigmund. (1917[1915]). Luto e Melancolia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XIV). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
- FREUD, Sigmund. (1926). Inibições, Sintomas e Ansiedade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XX). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
- LACAN, Jacques. (1964). O Seminário, livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.