No Limite das Forças: Burnout, Exigências do Outro e o Reencontro com o Desejo

O termo “burnout” tornou-se dolorosamente familiar, descrevendo um estado de esgotamento profundo – físico, mental e emocional – frequentemente atrelado ao universo profissional. Quando o esgotamento e a perda de sentido no trabalho se instalam, a pergunta que ecoa é crucial: Como reconstruir uma relação mais saudável e criativa com suas atividades?

A psicanálise, embora não tenha o “burnout” como uma categoria de sua nosografia original, oferece ferramentas preciosas para compreender o sofrimento que ele designa, indo além da simples noção de “excesso de trabalho”. Jacques Lacan, com sua teoria dos quatro discursos, apresentada em seu Seminário, livro 17: O Avesso da Psicanálise (1969-1970), nos permite analisar as lógicas que regem os laços sociais, incluindo as relações de trabalho. O “discurso do capitalista”, uma derivação que Lacan propõe posteriormente, por exemplo, pode ser visto como uma máquina que incita a uma produção e a um fruição ilimitados, onde o sujeito é convocado a uma performance incessante, muitas vezes em detrimento de seu próprio desejo e bem-estar.

Nesse contexto, o burnout pode emergir quando o sujeito se vê capturado pelas exigências do Outro (seja o Outro do mercado, da instituição, do chefe), tentando corresponder a um ideal de eficiência e produtividade que se mostra inatingível ou esvaziado de significação pessoal. O trabalho, que poderia ser um campo de sublimação, criação e reconhecimento, transforma-se em uma fonte de angústia, onde o sujeito se sente consumido, um objeto na engrenagem de uma fruição que não é a sua. A perda de sentido é um indicador fundamental: o que se faz já não se articula com o desejo singular, mas apenas com uma demanda externa que o esgota.

A psicanálise convida, então, a uma escuta que vá além dos sintomas do esgotamento. O que essa exaustão radical revela sobre a posição do sujeito diante do trabalho, do saber e do poder? Como ele se situa frente às demandas e expectativas, tanto as externas quanto aquelas internalizadas como um supereu feroz? Que lugar resta para seu desejo, para sua palavra, para aquilo que o torna único em sua atividade?

Reconstruir uma relação mais saudável e criativa com o trabalho, a partir dessa escuta, implica um percurso que pode envolver:

  1. Interrogar as Exigências: Tanto as que vêm do campo social e profissional quanto as que o próprio sujeito se impõe, muitas vezes atreladas a ideais de perfeição ou onipotência.
  2. Localizar o Desejo: Onde está o seu desejo em relação ao seu fazer? É possível reencontrá-lo, reinventá-lo ou, quiçá, reconhecer que ele aponta para outras direções?
  3. Construir Limites Simbólicos: Aprender a dizer não, a estabelecer fronteiras entre o tempo de trabalho e o tempo de viver, a reconhecer os limites do corpo e da psique. Isso não é um sinal de fraqueza, mas de uma ética do desejo.
  4. Inventar um Saber-Fazer Singular: Encontrar uma maneira particular de se inscrever em sua atividade, que não seja apenas a da repetição de um protocolo ou da submissão a uma performance, mas que comporte algo da sua invenção e do seu estilo.

O espaço analítico pode ser o lugar onde esse sujeito, no limite de suas forças, encontra a possibilidade de falar sobre esse “apagar-se”, de questionar os imperativos que o consomem e de começar a tecer, a partir de sua singularidade, uma relação com o trabalho – e com a vida – que seja menos sacrificial e mais condizente com seu desejo.

Referências

  • FREUD, Sigmund. (1930[1929]). O Mal-Estar na Civilização. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XXI). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
  • LACAN, Jacques. (1969-1970). O Seminário, livro 17: O Avesso da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.
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