A vivência da depressão é frequentemente descrita como um véu cinzento que recobre o mundo, uma perda do brilho vital, onde o futuro parece incerto e o presente, pesado. Quando a vida parece perder o sentido e a capacidade de desejar se esvai, a questão que se impõe é premente: como investigar as raízes dessa dor e resgatar a potência de desejar?
A psicanálise nos oferece uma escuta particular para a dor depressiva. Freud, em “Luto e Melancolia” (1917), diferencia o luto, reação a uma perda real, da melancolia, onde o que se perde é muitas vezes enigmático, e a sombra do objeto perdido recai sobre o ego, resultando em auto-recriminação e um profundo empobrecimento do eu.
Lacan, por sua vez, não se deteve longamente na “depressão” como categoria nosográfica, mas suas elaborações sobre a tristeza, o desejo e a ética da psicanálise são cruciais. Em seu Seminário, livro 7: A Ética da Psicanálise (1959-1960), Lacan faz uma afirmação provocadora e complexa ao situar a tristeza como uma “covardia moral”. Esta não deve ser entendida como um julgamento simplista, mas como uma indicação de que a tristeza pode advir de um recuo do sujeito diante do seu próprio desejo, uma dificuldade em bancar as consequências de desejá-lo e de fazer-lhe lugar em sua vida. Ceder de seu desejo, para Lacan, tem implicações éticas e pode se manifestar como essa “dor de existir”, esse apagamento do colorido da vida.
A depressão, ou a profunda tristeza que a acompanha, pode então ser lida como o testemunho de uma desconexão radical com o que anima o sujeito, com aquilo que o coloca em movimento – seu desejo. O “esmorecimento do desejo” não significa sua aniquilação, mas talvez seu encobrimento, sua alienação em ideais esmagadores, ou sua paralisia diante de uma perda que não pôde ser simbolizada, deixando o sujeito à deriva, sem as coordenadas do seu querer.
O espaço analítico se apresenta como um lugar onde essa dor profunda, esse “tédio da alma”, pode ser nomeado, escutado e historiado. Através da fala, o sujeito é convidado a percorrer não apenas suas perdas manifestas, mas também aquilo que, em seu desejo, foi sacrificado, silenciado ou permanece não reconhecido. Trata-se de um trabalho que visa permitir ao sujeito reencontrar os significantes que balizam seu desejo, que lhe dão um lugar no mundo e um horizonte de sentido.
Resgatar a potência de desejar, na perspectiva psicanalítica lacaniana, não é uma promessa de felicidade constante, mas a possibilidade de o sujeito se reencontrar com a falta que o move e de se responsabilizar por ele. É sobre “não ceder de seu desejo”, como aponta Lacan na “Ética”, o que implica um trabalho de invenção e de coragem para sustentar uma posição desejante, mesmo diante das dificuldades e do mal-estar inerente à condição humana. É um convite a reinventar a vida, a partir do reconhecimento de sua singularidade desejante.
Referências
- FREUD, Sigmund. (1917[1915]). Luto e Melancolia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XIV). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
- LACAN, Jacques. (1959-1960). O Seminário, livro 7: A Ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988.