A ansiedade, essa velha conhecida da experiência humana, manifesta-se de inúmeras formas: um aperto no peito, a mente que não cessa de projetar futuros temidos, a sensação de perigo iminente sem um objeto claramente definido. Quando a inquietação e o medo parecem paralisar ou, ao contrário, acelerar vertiginosamente nossos dias, surge a interrogação fundamental: o que esses sintomas tentam nos dizer sobre nossos desejos e limites?
Para a psicanálise, desde suas origens com Sigmund Freud, a ansiedade não é vista meramente como um transtorno a ser suprimido, mas como um afeto central na vida psíquica, um sinal de alerta fundamental. Freud (1926) a descreveu como uma reação ao perigo, um perigo muitas vezes interno, ligado aos movimentos do desejo. Jacques Lacan, em seu percurso, aprofunda essa noção, situando a angústia (uma forma mais radical da ansiedade) como o afeto que não engana, o único que é certeza. Ela emerge precisamente quando o sujeito se confronta com algo que escapa à simbolização, com a iminência do Real ou com o enigma do desejo do Outro. Como Lacan explora em seu Seminário, livro 10: A Angústia (1962-1963), a angústia não é sem objeto, mas seu objeto é de uma natureza particular, o objeto a, causa do desejo e índice de uma falta fundamental.
Nessa perspectiva, a ansiedade, ou mais precisamente a angústia, pode ser compreendida como a manifestação de um conflito que toca o ponto mais íntimo do ser. Ela aponta para uma tensão entre o desejo do sujeito e as interdições, mas também para o confronto com a falta no Outro, ou seja, com a ausência de uma garantia última que possa nos dizer o que o Outro quer de nós. É nesse hiato que a angústia se instala, confrontando o sujeito com a radicalidade do seu próprio desejo e com a falta estrutural que o constitui.
A questão dos limites é crucial. A angústia pode surgir quando o sujeito se vê na iminência de perder o que lhe serve de referência, de ultrapassar uma borda que o protege do encontro com o Real. Ela pode ser o sinal de que estamos nos aproximando de um ponto de desamparo fundamental, onde as coordenadas simbólicas que nos sustentam vacilam.
O trabalho analítico oferece um espaço privilegiado para que essa angústia, que se manifesta no corpo e no pensamento, possa ser colocada em palavras e endereçada. Ao falar sobre o que angustia, o sujeito começa a tecer uma narrativa em torno desse afeto, buscando localizá-lo em sua história e em sua relação com o desejo. Não se trata de eliminar a angústia – pois ela é um afeto estruturante e um guia, por mais paradoxal que pareça –, mas de transformá-la, de circunscrevê-la. Trata-se de escutar o que ela sinaliza sobre os impasses do desejo, sobre a relação com o objeto a, e sobre as defesas que construímos para lidar com a “falta da falta”, esse momento de particular intensidade da angústia.
Ao invés de apenas buscar silenciar o sintoma ansioso, a psicanálise convida a interrogá-lo. Nesse percurso, o sujeito pode vir a descobrir os fios inconscientes que o atam a certos padrões de repetição e sofrimento, e, a partir daí, encontrar novas formas de se posicionar diante de seus desejos, de seus limites e do enigma que a angústia presentifica.
Referências
- FREUD, Sigmund. (1926). Inibições, Sintomas e Ansiedade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XX). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
- LACAN, Jacques. (1962-1963). O Seminário, livro 10: A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.