No alvorecer do século XX, um enigma instigava a mente arguta de Sigmund Freud, então médico neurologista em Viena. Pacientes, predominantemente mulheres à época rotuladas como histéricas, manifestavam uma miríade de sintomas corporais – paralisias, cegueira, afasias – para os quais a medicina tradicional não encontrava qualquer substrato orgânico. Estes padecimentos, refratários às abordagens convencionais, pareciam, contudo, ecoar abalos emocionais de notável intensidade, verdadeiras tempestades anímicas (FREUD, 1909).
Mergulhando na investigação desses fenômenos, Freud, em seus meticulosos estudos sobre a histeria, começou a perceber uma intrigante correlação: os sintomas pareciam entrelaçados a certas lacunas na tessitura da memória de seus pacientes. Estas zonas de esquecimento, por sua vez, remetiam a experiências carregadas de um afeto tão avassalador que se tornara insuportável à consciência. Para se proteger dessa dor, a psique recorria a um engenhoso, porém custoso, mecanismo de defesa: a repressão. Experiências inteiras eram, assim, exiladas da consciência, gerando uma espécie de cisão no aparelho psíquico. Foi nesse terreno de investigação que Freud começou a delinear os contornos de uma das suas mais revolucionárias e duradouras contribuições: o conceito de inconsciente. Sobre essa clivagem da mente, ele observaria com acuidade que “num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro” (FREUD, 1909, p. 35).
O desafio que se impunha era monumental. Como desvendar o que jazia sob o véu do esquecimento? Freud (1909, p. 38) se interrogava, com a honestidade intelectual que lhe era característica: “Trata-se de fazer o doente contar aquilo que ninguém, nem ele mesmo sabia. Como esperar consegui-lo?” Ele logo se deu conta da existência de uma força psíquica poderosa, a resistência, que se opunha tenazmente ao retorno das lembranças reprimidas ao campo da consciência. Foi no embate com essa resistência, e na busca por superá-la, que a fala assumiu um papel absolutamente central, revelando-se não apenas como meio de expressão, mas como o próprio instrumento do tratamento.
A potência da palavra foi, de certo modo, “descoberta” pelos próprios pacientes. Narra-se que uma das analisandas de Josef Breuer (colega de Freud nos primórdios da psicanálise), Anna O., referiu-se ao método como “talking cure” (cura pela fala) ou, metaforicamente, como uma “limpeza de chaminé”. A imagem é eloquente: ao liberar as palavras represadas, como a fuligem que obstrui a passagem, também se aliviava o sofrimento psíquico. A fala, em sua livre associação, tornava-se o fio de Ariadne, capaz de guiar o sujeito pelo labirinto do seu inconsciente, permitindo o acesso aos conteúdos recalcados e a paulatina reconstrução da cadeia de recordações e afetos ligados às experiências traumáticas.
Freud postulava que muitos sintomas psíquicos não eram senão a repetição compulsiva e inconsciente de cenas ou impressões traumáticas não elaboradas. O espaço analítico, ao oferecer um campo seguro e uma escuta qualificada, convida o sujeito a trazer à tona essas lembranças, não para meramente revivê-las em sua crueza, mas para que possam ser elaboradas – isto é, narradas, significadas e integradas à sua história de uma nova maneira. Essa elaboração psíquica é o que permite ao indivíduo assumir uma posição diferente diante do próprio sofrimento, deslocando-se da repetição para a possibilidade de transformação e criação.
É crucial salientar que os “traumas” aos quais a psicanálise se dedica não se restringem a eventos catastróficos ou extraordinários. Frequentemente, referem-se a vivências aparentemente banais do cotidiano, a encontros e desencontros, palavras ditas ou silenciadas que, por razões singulares a cada sujeito, não puderam ser adequadamente compreendidas, simbolizadas ou elaboradas no momento de sua ocorrência. Ficam como que em suspenso, gerando efeitos posteriores.
Nesse sentido, a Psicanálise, desde sua origem até os dias atuais, se oferece como um espaço privilegiado de escuta e acolhimento. Um lugar onde cada sujeito é convidado a tecer, através de sua própria palavra, novos sentidos para sua história, desatando nós e abrindo horizontes para um existir mais livre e consciente de si.
Referências
- FREUD, Sigmund. (1909). Cinco Lições de Psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XI). Rio de Janeiro: Imago, 1996.